quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O corpo e A voz



O barulho do lápis arrastando no papel a atormentava, naquele cômodo abafado o silêncio era quebrado periodicamente por esse ranger oco, agonia sutil pra quem pacientemente espera. Era só isso aquela mulher, uma eterna espera, não por causa das horas passadas numa cadeira desconfortável, era espera diária no canto dos olhos. Mais alguns tic-tacs e pronto! Veste o casaco, pega a bolsa e desce as escadas, apressa o passo durante o caminho de volta.

A casa estava vazia, num silêncio empoeirado. Entre os contornos turvos da meia-luz, tateava um recanto para o corpo. Joga as chaves, solta o cabelo e já com os pés despidos repousa num vão entre os móveis, sobre um tapete escuro. Seus lábios traçaram um sutil sorriso Pequenos prazeres — pensou – que ingênua delícia. O corpo frouxo se entregava ao chão sem reservas.

Enquanto o corpo repousa, a mente remonta fatos, suscita certas lembranças e por um instante revive pequenos flashes, até eles serem dissipados por aquele silêncio amarelado. Porém, algo reage a seu corpo, um ruído seco a desviar seu olhar cego. Seu coração acelera —O que será isso?—Não ousa abrir os olhos, espera bem quieta. Tenta reconhecer o dono da voz, nada, a sua respiração abafa os sussurros que nada falam. Seus olhos não ousam abrir, não ousam, não ousam... A voz a toca! Fica gélida, num pavor que só o impossível pode conceber. Aquele timbre segue como se pudesse tocá-la,despindo-a nota a nota. Seus olhos não ousam entender, mas seu tato vai percebendo e compreendendo cada tênue roçar, cada oscilação, cada atrito tenso ou impreciso.

A voz a tem, ela tem medo. Mas tão inebriada por sua própria pele e por aquilo que seus ouvidos teimam escutar se converte em sim. O timbre se mistura a boca, corpo e mãos. Os barulhos abafados, que se convertem em voz e respiração, comungam com ele. Ela, agora, também é som... Ele agora também é corpo, e naquele instante despidos de mundo eram um.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Relato do vão

Ecoavam em silêncio,
nas pálpebras da memória e das rugas,
palavras caducas,
aparas de sonhos e de vida,
ditas entre versos e não.

Naquele instante, em suspiro, hesitou-se,
depois fez-se clarão!
Ora, era meio-dia, mas chovia!
Pensar era aquilo mesmo...
Névoa e Significação
Coisa louca como já dizia uma amiga,
"Palavra Chão"
Bom, se era chão não se sabia,
mas chovia num empoeirado meio-dia,
viver era aquilo mesmo:
um incansável entre, Vão.

domingo, 1 de agosto de 2010

Maria marina, canto e lágrima






Gota de sal 
no mar, cor
Gota de sal 
no rosto, dor
Não rimarei amores marinos 
com dores de cais!
Como a rima antiga previa,
"O tempo leva
O vento traz"

Cantarei assim em assobio!
Emudecendo o ruído,
dizendo só sentido...

E quem sabe eu, 
talvez sentido, talvez tristinho,
cantarei então baixinho 
um canto em flor e paz.